Por Giselle Souza
O estado do Rio de Janeiro pode pagar advogados para defender servidores públicos processados no Poder Judiciário por atos praticados no exercício da função. A decisão é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça fluminense, que declarou constitucional a Lei Estadual 6.450/2013, que regula o pagamento, pela administração pública, das despesas decorrentes da defesa dos agentes. Pela determinação, a contratação dos causídicos poderá ser feita diretamente pelos que respondem as ações judiciais.
A constitucionalidade da lei foi questionada pelo Ministério Público do Rio. O julgamento teve início no dia 4 de maio, mas um pedido de vista do desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo adiou a decisão. O caso foi retomado na última segunda-feira (18/5).
Na ocasião, a norma foi declarada constitucional após o colegiado rejeitar a preliminar de que o caso não poderia ser julgado em razão de um recurso extraordinário em tramitação no Supremo Tribunal Federal que trata da possibilidade do poder público contratar serviços de advocacia sem licitação. Como o tema tem repercussão geral reconhecida, os casos semelhantes em curso nos tribunais de justiça foram suspensos até a definição pelo STF.
Desembargador Cardozo apontou que cabia ao TJ-RJ julgar o caso.
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Ao apresentar seu voto-vista, Cardozo afirmou que o caso em tramitação no TJ-RJ é diferente do que está no Supremo. “Aqui trata sobre o Estado bancar os honorários nas ações que estão elencadas na lei e naquilo que não tiver interesse direto. O que está no STF é a possibilidade de o poder público contratar, sem licitação, escritórios de advocacia para defender a própria administração. São questões distintas”, afirmou o desembargador, que decidiu seguir o voto do relator do caso, desembargador Nagib Slaibi.
Procuradores do estado e defensores públicos não podem defender servidor em processos, lembrou Slaibi.
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Para Slaibi, a Lei 6.450/2013 resolve o problema da falta de representação do qual sofrem os servidores públicos, que podem a qualquer momento ser processados pelos atos que praticam. Segundo Slaibi, “o procurador do estado e do município não pode defender estes servidores, uma vez que devem ser fiéis ao interesse público”. Tampouco a defesa poderia ser atribuída à Defensoria Pública, que está assoberbada pelo grande número de assistidos.
“Vivencia-se neste momento uma crise de representação, já que não é atribuição específica das procuradorias, nem da Defensoria e muitos menos do Ministério Público a defesa destes servidores. E não se pode presumir que ocupante de cargo ou função pública seja rico e tenha dinheiro para pagar um advogado, sendo dever da administração pública patrocinar a causa e repelir a plutocracia [sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico]”, votou o relator.
Na avaliação de Slaibi, “impor aos agentes públicos, eleitos ou não, o dever de prover as despesas de sua defesa nos processos judiciais e administrativos que debatem seus atos funcionais, seria rejeitar o sistema democrático e impor o regime plutocrático”.
No que se refere à contratação direta dos advogados pelos servidores, o relator afirmou ser esta uma medida possível tendo em vista o critério da confiança que deve permear a relação do réu com seu defensor. Slaibi citou um precedente do STF nesse sentido. Em um recurso extraordinário julgado em 2006, o ministro-relator Eros Grau, hoje aposentado, afirmou que “o requisito da confiança em quem deseja contratar é subjetivo; logo, a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços […] é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à administração”.
A questão da contratação direta dos advogados foi um ponto controvertido durante o julgamento da Lei 6.450/2013. O desembargador Mauro Dickstein afirmou ser a favor que o Estado assuma a representação judicial de seus servidores. “Penso que a defesa do servidor é também a defesa do ato praticado. Quem deveria assumir a defesa seria o próprio Estado. Mas com todas as vênias, vou acompanhar o relator”, disse.
A desembargadora Helda Lima Meireles defendeu a norma. “Entendo que a contratação pode ser direta, em razão do alto grau de confiabilidade que a questão exige. E a par da atuação das procuradorias, entendo possível a contratação dos advogados”, destacou.
A lei estadual acabou declarada constitucional por maioria. Ficaram vencidos os desembargadores Caetano Ernesto da Fonseca Costa e Henrique Carlos de Andrade Figueiredo, que votaram pela inconstitucionalidade da norma.
Regra contestada
Pela Lei 6.450, de maio de 2013, o Estado do Rio de Janeiro deverá pagar advogados para os servidores que tenham sido processados por causa de atos que praticaram no exercício do cargo, seja efetivo ou comissionado. O custeio será liberado mediante parecer da Procuradoria-Geral do Estado favorável ao ato atacado.
Ainda segundo a legislação, a defesa será arcada mediante reembolso à autoridade ou servidor dos honorários advocatícios despendidos. Pela norma, as despesas não poderão ser superiores a quatro vezes o valor previsto na tabela de honorários da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro, para o serviço prestado.
No Supremo
O questionamento acerca da contratação sem licitação de escritórios de advocacia pelo poder público chegou ao STF em 2011, por meio de um recurso do Ministério Público de São Paulo na ação que movera contra o município de Itatiba. Na ação, o parquet sustenta que a contratação, quando ausente a singularidade do serviço e a notória especialização do contratado, configura caso de improbidade administrativa.
O caso estava previsto para ser julgado em fevereiro deste ano, mas acabou sendo retirado de pauta. Como tem repercussão geral reconhecida, a ação trancou o julgamento de pelo menos outros 100 processos em tramitação nos tribunais de Justiça, segundo estimativas. O relator do recurso extraordinário é o ministro Dias Toffoli.
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Processo TJ-RJ: 0027691-96.2014.8.19.0000.
Recurso Extraordinário no STF: 656.558.
Fonte: www.conjur.com.br