Por Vinicius Valentin Raduan Miguel e Vinício Carrilho Martinez
O ano de 2014 foi de sensíveis modificações legislativas no âmbito da infância e da juventude. Vinte e quatro anos após o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), marco sócio jurídico que instaurou a proteção integral e uma carta promissória de direitos fundamentais extensíveis à infância e à juventude, quatro alterações foram promovidas.
A primeira das inserções estabeleceu a "prioridade de tramitação aos processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica" (Lei 12.955). Registre-se que a prioridade de tramitação quando o adotante é portador de enfermidade grave já era consagrada pela Lei 12.008/2009. Assim, tenta-se imprimir maior celeridade para mitigar as esperas — usualmente longas — e conferir eficácia ao preceito da razoável duração do processo. Visa, sobretudo, possibilitar a inserção familiar de crianças em maior situação de vulnerabilidade decorrente de condição desfavorável.
A segunda inclusão foi a Lei 12.962, que "assegura a convivência da criança e do adolescente com os pais privados de liberdade". Essa modificação instituiu a garantia à visita periódica, desvinculada de prévia consulta ou autorização judicial. Também — e tardiamente — consignou-se que a condenação criminal não implicará na suspensão ou na perda do poder familiar de qualquer dos genitores. Assegura, ademais, nos procedimentos de suspensão ou perda de poder familiar de genitor(a) em privação de liberdade, a possibilidade de indicação da necessidade de defensor público no ato da citação pessoal, diretamente ao oficial de justiça e o direito de ser oitivado(a) em audiência.
Possivelmente, a mais debatida alteração foi trazida pela Lei 13.010. Sua fórmula robusteceu os conselhos tutelares ao impor o dever de comunicação de indícios (o dispositivo assenta que a mera suspeita será objeto de comunicação, a despeito de demais medidas) de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra crianças e adolescentes. Não de somenos importância, a lei, ao contrário das usuais medidas punitivistas que pululam em tempos de populismo penal, carreia um modelo diferenciado e complementar aos agressores: as medidas educativas, como o programa de proteção familiar, tratamento psicológico ou psiquiátrico e cursos de orientação.
Válido, ainda, rememorar que a sobrerreferida norma também trouxe diretrizes preventivas e, dentre as demais disposições, a de realização de campanhas educativas, integração do sistema de direitos e mecanismos protetivos, capacitação dos profissionais para diagnóstico e enfrentamento da violência.
Finalmente, a Lei 13.046 assentou a obrigatoriedade de "entidades (públicas e privadas) a terem, em seus quadros, pessoal capacitado para reconhecer e reportar maus-tratos de crianças e adolescentes", impondo um espraiado sistema de observação e monitoramento de violações de direitos.
As singelas, mas perceptíveis, mudanças não podem desfalecer na carestia de vontades institucionais. Tampouco merecem padecer da inação e das múltiplas inércias que acometem a elaboração e condução de políticas sociais. Os retrocessos contra a infância e a juventude devem igualmente ser repelidos pelas forças sociais e pela constante mobilização política.
A pobreza extrema, categoria política e econômica que importa em miríades de outras violações, ainda é uma ameaça às crianças e aos adolescentes do país e do mundo, colocando os direitos sociais fundamentais que protegem a criança e o/a adolescente (em desconformidade com a lei ou não) como um devir e fenômeno que ainda reclama por concretude.
A pouca visibilidade das violações de direitos de crianças e adolescentes e a ausência de mecanismos e medidas de enfrentamento em orçamentos públicos em todas as esferas governamentais é, de modo antagônico, hiperespetacularizada em casos de cometimento de atos infracionais por jovens, ainda que esses atos, estatisticamente, não sejam dos mais representativos.
Nesse sentido, as distintas formas de discriminação, de violência e de segregação continuam a manchar e arruinar a infância por todo o Brasil.
Que a retrospectiva de inovações normativas relativamente favoráveis do ano de 2014 possa servir de direcionamento estratégico aos gestores e gestoras em 2015 e assim continuar a orientar a atividade parlamentar, a ser posta em favor dos direitos fundamentais.
Desse modo, que consideremos profusamente nossa imersão nos apelos da justiça social (de equidade e dignidade), expandindo-se o lastro de uma consciência plurinacional e pluridimensional em prol da inclusão dos desassistidos, em defesa de suas especificidades e consoante o Estado de Direito, perpassado pelas noções de solidariedade.
Que consideremos o Direito a ter direitos não como conceito ou abstração jurídica presente na lei, mas sim como uma experiência teleológica da consciência moral-jurídica que constitui as bases do processo civilizatório, na perspectiva e na propulsão da presença dos direitos fundamentais.
Fonte: www.conjur.com.br