Por Pedro Canário
Se era senso comum entre os ministros do Supremo Tribunal Federal que o Plenário tinha se tornado inviável, hoje já é possível ver além da nuvem de processos pendentes. Desde que o tribunal transferiu para as turmas a competência para recebimento de denúncias e julgar ações penais abertas contra réus com prerrogativa de foro, não só os casos criminais passaram a andar mais rápido, como toda a prestação jurisdicional do STF de repente tornou-se mais célere.
A retirada das ações penais e inquéritos do Pleno passou a valer no dia 5 de junho de 2014, por meio da Emenda Regimental 49/2014. Como menos de um mês depois o tribunal entrou em recesso, a transferência só passou a valer, de fato, no dia 1º de agosto. E o quadro que ela deixou foi: as turmas julgaram três vezes mais inquéritos e o dobro de ações penais que o Plenário, que julgou cinco vezes mais recursos com repercussão geral depois de ter se livrado da competência criminal.
Segundo dados do próprio Supremo, no primeiro semestre de 2014, o Plenário julgou 11 inquéritos e 11 ações penais. Entre estas estão os embargos infringentes na Ação Penal 470 (mensalão) e a denegação de competência para julgar o ex-deputado Federal Eduardo Azeredo (AP 536).
No semestre seguinte, com a emenda regimental, o Supremo julgou 41 inquéritos — ainda que dois tenham sido embargos (INQs 2.484 e 3.862) e um agravo regimental (INQ 3.777). As ações penais julgadas foram 25 — contando as ações referentes à operação “lava jato”, julgadas em conjunto.
E não só os réus com prerrogativa de foro viram seus processos andarem mais rápido. Entre janeiro e o dia 5 de junho de 2014, o Supremo julgou 11 recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, cuja competência para julgar é do Plenário. Depois que entrou em vigor a Emenda Regimental, o Pleno julgou 51 recursos com repercussão reconhecida.
Controle de constitucionalidade
O Supremo também viu sua produtividade disparar nas ações de controle concentrado de constitucionalidade. São as ações em que o tribunal discute objetivamente, e em tese, se uma norma afronta ou não a Constituição Federal, sem analisar as implicações dos caso concreto.
Durante o ano de 2014, o tribunal julgou 181 ações de controle abstrato. Foram 166 ações diretas de inconstitucionalidade, 14 arguições de descumprimento de preceito fundamental e uma ação declaratória de constitucionalidade. É o triplo da produtividade de 2013, quando o STF julgou 51 ações constitucionais.
Causa
A mudança regimental para julgamento de casos penais foi proposta pelo ministro Luis Roberto Barroso no início do ano passado. A ideia dele é que o Plenário do Supremo se dedique apenas ações de controle de constitucionalidade e recursos com repercussão geral, que dizem respeito à sociedade e não aos envolvidos no caso concreto.
O tribunal foi unânime em concordar com a mudança. Sabem que os trabalhos nas turmas são muito mais céleres: o STF é composto por duas turmas de cinco ministros e as sessões costumam ser mais harmoniosas do que no Plenário, onde os 11 ministros se reúnem.
Desavisados podem concluir que a mudança regimental foi consequência direta do julgamento do processo do mensalão. A AP 470 tinha 37 réus e exigiu que o Supremo dedicasse um semestre inteiro apenas para julgá-la, atrasando todos os demais processos. E depois de concluído o julgamento da parte principal, ainda chegaram ao Supremo os embargos e agravos, que tomaram mais sessões e levaram a mais longas discussões.
Pode até ser que os ministros tenham ficado mais abertos a ideias para desafogar os trabalhos do Plenário depois do caso. Mas o fato é que o ministro Barroso, desde que chegou ao Supremo, em junho de 2012, tem se dedicado a estudar a repercussão geral.
Barroso inclusive enviou aos colegas um conjunto de propostas que, no seu entendimento, vai melhorar a gestão dos processos com repercussão geral. E nesse documento ele comenta que, com a transferência da competência penal para as turmas, “consuma-se uma revolução profunda e silenciosa” nos trabalhos do Plenário, “cujas competências ficarão cingidas às de uma corte constitucional”.
Efeito
Mas nem tudo é festa no balanço das alterações. Para os parlamentares, por exemplo, a situação ficou até preocupante. Se antes eram necessários seis votos para que um deputado ou senador fosse condenado, com a emenda regimental três votos podem mandar um parlamentar para a cadeia. E tiram dele a condição de parlamentar.
Além disso, se antes os membros do Congresso apostavam na demora do Judiciário em julgar casos em que o réu tem foro especial, hoje é o contrário. O Supremo é mais rápido que a maioria dos juízes de primeiro grau, mas suas decisões são irrecorríveis — uma das consequências jurídicas da prerrogativa de foro por função.
Um grupo de líderes partidários chegou a ir ao gabinete do presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, expor a preocupação. A visita foi feita logo depois de o tribunal ter condenado o ex-deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), o primeiro a sofrer as consequências da emenda regimental.
E os deputados saíram da visita e ajuizaram uma ADI questionando alguns aspectos da transferência de seus casos para as turmas. A principal reclamação foi que a Emenda Regimental 49 manteve os processos criminais contra os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados no Plenário. A Mesa Diretora da Câmara considerou a opção discriminatória.
Fonte: www.conjur.com.br