O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) está finalizando as ações do Poder Judiciário que darão efetividade à Carta de Constituição de Estratégias elaborada em conjunto por representantes dos Três Poderes para garantir a proteção integral a crianças e adolescentes. A proteção está preconizada na Constituição Federal como prioridade absoluta e a Carta é a materialização desse atendimento. Assinada em outubro do ano passado, o documento apoia-se em quatro eixos estratégicos: acolhimento e convivência familiar, enfrentamento da violência sexual, aperfeiçoamento do sistema socioeducativo e erradicação do trabalho infantil.
As propostas serão reunidas pela SDH (Secretaria de Direitos Humanos) da Presidência da República e aprovadas por um comitê nacional, para serem colocadas em prática por estados e municípios. “Serão criados comitês estaduais que ficarão responsáveis para dar efetividade às diretrizes e ações definidas pelo comitê nacional. A interface política ficará a cargo da Presidência da República”, informa a juíza Marlúcia Ferraz Moulin, do TJ-ES (Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo), responsável por consolidar as propostas na área de convivência familiar.
Em relação ao acolhimento, as preocupações vão desde o local onde as crianças e os adolescentes ficam abrigados, após se afastarem de suas famílias, até o encaminhamento do adolescente que ao completar 18 anos tem de deixar o abrigo. Um dos objetivos é estimular os municípios a se responsabilizarem mais pela criação e manutenção das unidades de acolhimento – os abrigos para onde vão crianças e adolescentes em situação de risco. “O que acontece hoje com frequência é que elas dependem muito da solidariedade das pessoas. A sociedade civil organizada cria os locais de acolhimento e o município colabora com a manutenção do local. Isso precisa ser repensado. Os municípios com o apoio de cada estado e da União precisam estar diretamente envolvidos nessa situação e assumir a atribuição constitucional que possuem em relação às crianças e aos adolescentes, afirma a magistrada.
Segundo ela, observa-se que a ajuda dada pelos municípios a essas unidades não é suficiente e tem de ser revista. “O valor do recurso de cofinanciamento por criança é muito baixo em muitos casos e não é suficiente para a manutenção básica dos abrigos”, completa.
A desorganização também é apontada pela magistrada como um dos entraves do sistema de acolhimento. Segundo ela, muitas crianças e adolescentes estão irregularmente nos abrigos e não possuem sequer a guia de acolhimento e PIA (Plano Individual de Atendimento). “Sem informação, sem ter o histórico dessa criança, é difícil traçar uma política que atenda às suas necessidades”, acrescenta. Por isso mesmo, entre as propostas que serão apresentadas, inclui-se a de uniformização e atualização dos cadastros de acolhidos, juntando os dados do Ministério Público e do Poder Judiciário. “A ideia é criar um grupo de trabalho que faça esse trabalho, fundamental para conhecer a situação dessas crianças e adolescentes”.
O acompanhamento das famílias e dos jovens também é preocupação do CNJ. O objetivo é garantir que a criança e/ou o adolescente possam retomar sua vida de forma saudável após o período de acolhimento. O ideal, segundo Moulin, é que elas voltem ao convívio familiar, seja com a família originária, acolhedoras ou substitutas. “Mas se isso não for possível e se esse adolescente não for adotado, ele precisa estar bem preparado em todos os sentidos para ter vida própria ao completar 18 anos”, alerta a magistrada.
Segundo ela, o Estado terá de encontrar uma forma de dar autonomia a ele. “Precisamos trabalhar para garantir que ele consiga sobreviver sozinho quando tiver de deixar os locais de acolhimento. É importante começar a preparar esse jovem a partir dos 16 anos e capacitá-lo para que ele possa trabalhar e iniciar uma carreira”, completa.
A modificação nos processos de adoção, que garantem a colocação da criança em família substituta, também faz parte das propostas do CNJ para dar proteção integral à criança. Moulin acredita que é preciso criar uma rede de acompanhamento e procedimentos para atender às mães que querem dar seus filhos à adoção. Segundo ela, os hospitais e o Judiciário têm de seguir um padrão em todo o País que ajude a mãe e garanta um lar e o acolhimento aos recém-nascidos e às crianças que ainda vão nascer.
Ela defende, ainda, que essa padronização nos procedimentos estenda-se aos pretendentes à adoção. “É preciso ter um padrão mínimo em todo o País e, para isso, é preciso capacitar os servidores das áreas de Saúde, do Ministério Público e das Varas de Infância e Juventude, assim como toda a rede de apoio na área infância e juventude para que saibam como atuar nesses casos”, completa.
Violência Sexual
A falta de informações e estatísticas é um dos principais problemas enfrentados no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, um dos ramais da Carta de Constituição de Estratégias. De acordo com a juíza Graciete Sotto Mayor Ribeiro, coordenadora da matriz de Enfrentamento da Violência Sexual, a obtenção de dados estatísticos em relação às ações penais e aos inquéritos em tramitação é essencial para guiar as ações do Poder Público no combate à violência contra as crianças. “É preciso interligar as informações da Polícia e do Judiciário para ser ter levantamento confiável”, explica a magistrada, que atua no TJ-RR (Tribunal de Justiça do Estado de Roraima).
Com mais de 12 anos de experiência em varas de Infância e Juventude, Ribeiro é representante do TJRR no Comitê Estadual de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra a Criança e o Adolescente. Segundo ela, a questão da violência sexual é a matriz com o maior número de proposições, mas que as ações ainda não estão fechadas.
“A Carta foi assinada em outubro do ano passado, mas é pouco conhecida nos tribunais. Precisamos dar divulgação maior ao seu conteúdo e às suas diretrizes”, diz a magistrada que atualmente atua na área de Execução Penal.
Além disso, ela defende melhor capacitação das pessoas que atuam na rede de atendimento às vítimas de violência sexual para evitar a “revitimização” dessas crianças e adolescentes. “Precisamos realizar cursos que orientem a autoridade judiciária, a polícia e o IML a tratarem as vítimas de forma a protegê-las de nova violência ao serem atendidas nesses locais”, explica a magistrada.
Fonte: Última Instância