INCLUSÃO DA ADVOCACIA NO SIMPLES TRAZ GANHOS, MAS TAMBÉM CONTROVÉRSIAS
Recentemente tratamos neste espaço de tema que, embora disciplinado pela Lei Complementar 147/2014, não se restringe ao universo do Simples, atingindo os contribuintes em geral (clique aqui para ler).
A coluna de hoje será dedicada a duas questões relativas a uma específica categoria de optantes: as sociedades de advogados.
De fato, como amplamente sabido, a Lei Complementar 147/2014, ao inserir o inciso VII no parágrafo 5º-C da Lei Complementar 123/2006, atendeu a velha reivindicação da advocacia, franqueando-lhe este regime tributário favorecido.
O primeiro ponto está em saber se é aplicável à classe a regra preexistente do artigo 72 da Lei Complementar 123/2006, que determina, sob a rubrica Do Nome Empresarial, que os optantes “acrescentarão à sua firma ou denominação as expressões ‘Microempresa’ ou ‘Empresa de Pequeno Porte’, ou suas respectivas abreviações, ‘ME’ ou ‘EPP’, conforme o caso...”.
A razão do questionamento é clara: as expressões têm manifesto caráter empresarial, que é vedado às sociedades de advogados pelo artigo 16 do Estatuto da OAB[1].
É certo que, no âmbito interno da Lei Complementar 123/2006, as expressões “microempresa” e “empresa de pequeno porte” são empregadas em sentido genérico, abarcando também as sociedades simples. É o que se depreende de seu artigo 3º:
“Art. 3º. Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e
II – no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). (...)” [2]
Não fosse assim, aliás, o enquadramento da advocacia na lei sequer seria possível, já que esta — a teor de seu artigo 1º — “estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte...”.
Pensamos, entretanto, que isso não leva à conclusão automática pela aplicabilidade do artigo 72 à advocacia. E assim é porque, embora seja coerente com a tessitura interna da Lei Complementar 123/2006, a inclusão das expressões gerará efeitos no Direito como um todo, sendo inevitável o conflito com o artigo 16 do Estatuto da Ordem. E este, conquanto anterior, é específico para a regência do nome das sociedades de advogados, face à generalidade do artigo 72 da lei complementar (nome social de todos os contribuintes incluídos no Simples), aliás redigido quando tal opção era vedada à advocacia.
Some-se a esta razão jurídica o efeito moral que a revelação do modesto porte econômico do escritório poderá gerar sobre os seus clientes, interferindo negativamente em uma comparação que, ao contrário do que ocorre com as empresas de capital e com os serviços não personalíssimos, deve fazer-se em bases distintas: competência, confiabilidade, dedicação, criatividade, etc. Está em jogo a dignidade da profissão, profusamente garantida pelo Estatuto da OAB (vejam-se, entre outros, os seus artigos 6º, parágrafo único, 54, inciso III, e 61, inciso II).
A fim de evitar riscos para a classe, o ideal seria a edição, pela Receita Federal do Brasil, de norma expressa dispensando-a da formalidade.
Observamos, por fim, que a conclusão aqui sustentada não retira às sociedades de advogados com faturamento compatível, ainda que não optantes pelo Simples, nenhum dos benefícios não-tributários previstos na Lei Complementar 123/2006, como os vinculados às licitações públicas (artigos 42 a 49), à mitigação das obrigações acessórias trabalhistas (artigos 51 e 52) e ao acesso ao crédito (artigos 57 a 64), entre outros – o que, aliás, decorre da regra expressa do artigo 3º-B do diploma[3].
O segundo ponto concerne ao direito da sociedade de advogados beneficiária do Simples de seguir recolhendo o ISS em alíquota fixa (per capita), na forma do artigo 9º, parágrafo 3º, do Decreto-lei 406/68.
A regra sobreviveu à Carta de 1988, por não veicular isenção heterônoma (o que ofenderia o seu artigo 151, inciso III) ou redução de base de cálculo (o que violaria o seu artigo 150, parágrafo 6º), mas diretriz sobre a forma de quantificação do ISS, na esteira do seu artigo 146, inciso III, alínea a[4].
Sobreviveu também à Lei Complementar 116/2003, por ser norma específica e por não ter a lei geral superveniente regulado de forma exaustiva a matéria, donde permanecer em vigor até os dias atuais[5] [6], não podendo — diga-se incidentalmente — ter a sua abrangência restringida por lei municipais como as que pretendem negar o direito aos escritórios que tenham filiais ou que terceirizem parte de seus serviços, fato comum no setor: contratos de parceria para o atendimento de clientes ou de correspondência em outras cidades.
Dá-se que, no toca a esse imposto, a Lei Complementar 123/2006 (na redação da Lei Complementar 147/2014) é diploma ainda mais específico do que o Decreto-lei 406/68, na medida em que não colhe as sociedades de advogados em geral, mas apenas as sociedades de advogados optantes pelo Simples; e o fato é que prevê de modo claro a incidência de ISS ad valorem (de 2% a 5%, segundo a faixa de receita: ver Anexo IV, a que remete o artigo 18, parágrafo 5º-C).
A conclusão é inevitável: salvo alteração na lei complementar, o ISS fixo continua aplicável às sociedades de advogados em geral, mas não às beneficiárias do Simples — o que nem sempre será desvantagem, visto que alguns Municípios praticam alíquotas fixas abusivas, superando os R$ 600 por profissional ao mês no Município de Teresina...[7]
A única possibilidade de as sociedades de advogados optantes pelo Simples manterem o ISS per capita reside no artigo 18, parágrafo 18, da Lei Complementar 123/2006, que faculta — mas não obriga — os Municípios a estabelecerem valores fixos mensais para esse imposto, regra todavia aplicável somente aos escritórios com receita menor ou igual a R$ 360 mil por ano[8].
Solução diversa foi adotada para os escritórios de contabilidade, que não perdem o direito ao ISS por cabeça, mas em contrapartida ficam obrigados, sob pena de exclusão do Simples, a prestar serviços gratuitos a microempreendedores individuais, a fornecer certas estatísticas ao Governo e a promover eventos de orientação fiscal para outros optantes, deveres ademais previstos de forma altamente vaga pelo legislador (Lei Complementar 123/2006, artigo 18, parágrafos 22-A a 22-C).
O prazo de adesão para 2015 vai do início até o dia 30 de janeiro. Espera-se que, até lá, o Governo esclareça os pontos nebulosos. E recomenda-se aos contribuintes que façam simulações considerando as suas previsões de receitas e, especialmente, a forma de cobrança de ISS no seu município.
Nas faixas superiores da tabela, é provável que o regime normal de tributação, com opção pelo lucro presumido, se revele mais vantajoso do que o Simples para os escritórios de advocacia.
O sistema está longe de ser singelo. Para aproveitar as vantagens que ele inegavelmente traz, pelo menos desta vez os santos de casa terão de fazer milagre.
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Sendo esta a minha última coluna de 2014, aproveito para desejar a todos boas festas, boas férias e um ano novo melhor do que o atual.
[1] “Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar.
§ 1º. A razão social deve ter, obrigatoriamente, o nome de, pelo menos, um advogado responsável pela sociedade, podendo permanecer o de sócio falecido, desde que prevista tal possibilidade no ato constitutivo. (...)”
[2] Semelhante deformação conceitual ocorre no artigo 980-A do Código Civil, tendo em vista que Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (a) pode, apesar do nome, dedicar-se à prestação de serviços de qualquer natureza, inclusive civis (artigo 980-A, parágrafo 5º), e (b) atrai a regulamentação supletiva das sociedades limitadas (artigo 980-A, parágrafo 6º), que exercem atividades comerciais ou civis (Código Civil, artigos 983 e 1.052 a 1.087).
Donde termos defendido neste espaço a aplicabilidade da Eireli à advocacia, a ser viabilizada mediante provimento do Conselho Federal da OAB que, entre outros pontos, adaptasse a sua denominação para “Advogado Pessoa Jurídica Individual – AIPJ”, o que em nada contradiz – mas antes reforça – a posição aqui sustentada (clique aqui para ler).
[3] “Art. 3º-B.Os dispositivos desta Lei Complementar, com exceção dos dispostos no Capítulo IV [Dos Tributos e Contribuições], são aplicáveis a todas as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas pelos incisos I e II do caput e § 4º do art. 3º, ainda que não enquadradas no regime tributário do Simples Nacional, por vedação ou por opção.” (Incluído pela Lei Complementar 147/2014)
[4] STF, Pleno, Recurso Extraordinário 236.604/PR, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 06.08.99; STF, Pleno, Recurso Extraordinário 220.323/MG, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 18.05.2001.
[5] STJ, 1ª Turma, Recurso Especial 1.016.688/RS, Relator Ministro José Delgado, DJe 05.06.2008; STJ, 2ª Turma, Recurso Especial 713.752/PB, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ 26.10.2006.
[6] Tivemos ocasião de estudar o tema em profundidade em artigo publicado há muitos anos: http://sachacalmon.com.br/wp-content/uploads/2010/09/Subsistencia-da-tributacao-per-capita-dos-profissionais-liberais-e-de-suas-sociedades-apos-a-lei-complementar-N-116-2003.pdf
[7] A reação da OAB/PI, em iniciativa liderada pelo Dr. Carlos Yuri Morais, não tardou e nem falhou (clique aqui para ler).
[8] “Art. 18, § 18.Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito das respectivas competências, poderão estabelecer, na forma definida pelo Comitê Gestor, independentemente da receita bruta recebida no mês pelo contribuinte, valores fixos mensais para o recolhimento do ICMS e do ISS devido por microempresa que aufira receita bruta, no ano-calendário anterior, de até o limite máximo previsto na segunda faixa de receitas brutas anuais constantes dos Anexos I a VI, ficando a microempresa sujeita a esses valores durante todo o ano-calendário, ressalvado o disposto no § 18-A.
§ 18-A.A microempresa que, no ano-calendário, exceder o limite de receita bruta previsto no § 18 fica impedida de recolher o ICMS ou o ISS pela sistemática de valor fixo, a partir do mês subsequente à ocorrência do excesso, sujeitando-se à apuração desses tributos na forma das demais empresas optantes pelo Simples Nacional.” (Ambos os dispositivos foram incluídos pela Lei Complementar 147/2014)
Foonte: www.conjur.com.br
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