TJ-SP julga neste mês ação que tirou do ar site de humor Falha de S.Paulo
Está marcada para o próximo dia 20, uma quarta-feira, a audiência que pode definir se o blog Falha de S.Paulo, site criado pelos irmãos Lino e Mário Bocchini para satirizar o jornal Folha de S.Paulo, continuará ou não fora do ar. Às 9h, os desembargadores da 5ª Câmara Cível do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) julgam os recursos apresentados por ambas as partes e decidem se o domínio “falhadespaulo.com.br” seguirá ou não desativado por determinação da Justiça.
Criado em outubro de 2010, antes que o blog completasse um mês no ar, uma liminar da Justiça, a pedido do jornal, barrou o site. Desde então, uma multa diária no valor de R$ 1 mil impede que os blogueiros publiquem qualquer conteúdo no domínio.
Mais de dois anos depois, a Justiça volta a analisar o caso e pode começar a formar uma jurisprudência até então inexistente na área: é a primeira vez que uma grande empresa de comunicação processa um pequeno veículo. Quem diz é o próprio juiz de primeira instância, Gustavo Coube de Carvalho, da 29ª Vara Cível, obrigado a buscar nos Estados Unidos exemplos que pudessem guiar a solução do caso.
Na ação original [leia aqui a íntegra], a Folha de S.Paulo acusa o site de fazer uso indevido de sua marca. Em função da semelhança do domínio e do logotipo — que possuía os mesmos traços de design e de tipografia —, os leitores do jornal poderiam ser levados a confundir a paródia, tomando-a como o veículo original.
“Não discute a autora o teor das ideias difundidas no aludido site e nem mesmo a sátira feita, o que compreende dentro dos limites da liberdade de manifestação de pensamento”, ressalva o jornal, na inicial de acusação, de autoria da advogada Taís Borja Gasparian. Para a empresa, o ilícito cometido pelos irmãos Bocchini está na “inequívoca violação da marca”, sendo que seu uso indevido “pode induzir em erro” os leitores do diário.
Os advogados dos réus, no entanto, insistem que o litígio não se trata de preservação da marca e sim de liberdade de expressão, princípio salvaguardado pela Constituição Federal. Por meio do site de humor, seus criadores estavam apenas exercendo seu direito de crítica e de manifestação de pensamento.
“A imprensa tem plena liberdade para criticar e satirizar e, quando passa de pedra para vidraça, também pode sofrer críticas e sátiras”, escrevem os advogados Leopoldo Loureiro e Luís Borrelli, na peça [leia aqui a íntegra]. Para eles, a ação judicial proposta pela Folha de S.Paulo possui “indisfarçável conteúdo autoritário” — ainda que “sob a veste de proteção da marca”.
Mais adiante, ao listar as restrições impostas com o congelamento do “falhadespaulo.com.br”, argumentam: “Perde-se o domínio; perde-se o direito à paródia; perde-se o direito ao humor crítico; cerceia-se de modo radical o direito fundamental à liberdade de expressão”.
O jornalista Lino Bocchini, um dos idealizadores do site, afirma também que, caso a Folha ganhe a causa, o jornal poderá sofrer com ações futuras baseadas nos mesmos argumentos utilizados pelo veículo. “É um precedente perigoso”, afirma, ao enumerar como eventuais alvos: charges, artigos e textos do colunista José Simão. Como exemplo, Bocchini faz referência a um cartum do humorista Angeli publicado na própria Folha de S.Paulo, no qual o chargista parodia o restaurante McDonald’s. “Os argumentos seriam os mesmos: satirização, pequenas alterações do logotipo, uso indevido da imagem”, diz Lino.
Sentença em vigor
O blog Falha de S.Paulo foi criado pelos irmãos Bocchini na reta final das eleições gerais de 2010. Com a mesma diagramação das páginas do veículo paulista, o site satirizou o jornal Folha de S.Paulo por 21 dias, mas foi interrompido pela Justiça, após pedido liminar. “Queríamos fazer uma crítica diferente”, lembra Lino Bocchini.
Ao julgar o mérito da questão [leia aqui a íntegra da sentença], o juiz Gustavo de Carvalho concordou com os argumentos dos blogueiros e afastou a tese do ‘uso indevido da marca’. “Nem mesmo um ‘tolo apressado’ seria levado a crer tratar-se de página de qualquer forma vinculada oficialmente ao jornal da autora, pois a paródia, anunciada pelo nome de domínio, é reiterada pelo conteúdo do website”, anotou o magistrado.
No entanto, a sentença manteve o site barrado por entender que o blog estava obtendo vantagens comerciais ao fazer “propaganda” da revista semanal CartaCapital, suposta concorrente direta e editorial do jornal. Em função desse apelo publicitário, o domínio estaria indelevelmente contaminado, o que impediria qualquer utilização posterior.
O juiz entendeu que a disponibilização de um link na barra lateral de 'endereços sugeridos' que direcionava o leitor ao site da revista somado ao fato de que os blogueiros sorteariam um assinatura da CartaCapital configuravam a relação comercial. A interpretação partiu espontaneamente do juiz (a Folha de S.Paulo não fez menção à tese de exploração comercial). Na apelação ao TJ-SP, a defesa dos blogueiros contesta essa interpretação do magistrado.
Com a sentença de primeira instância atualmente em vigor, tanto os irmãos Bocchini quanto o órgão registrador NIC.Br estão proibidos de utilizar — qualquer que seja o conteúdo disponibilizado — o domínio “falhadespaulo.com.br”. Temendo a multa diária fixada em R$ 1 mil reais por descumprimento, os blogueiros retiraram todo o material do ar e também desativaram a conta no Twitter, que não havia sido citada. Hoje, atualizam os leitores com as informações do processo no blog Desculpe a nossa fAlha.
Casos semelhantes
Na peça acusatória produzida pela Folha, os advogados citam casos antigos de uso indevido de marca. Entre eles, a ação ajuizada pela fabricante de computadores Dell contra uma empresa de informática de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, chamada Dall.
Em 2009, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou o imbróglio envolvendo as companhias turísticas Decolar Viagens e Turismo e a Decolar.com, que realiza os mesmos serviços, mas exclusivamente pela internet. Na ocasião, ficou decidido que ambas as marcas podiam coexistir de forma harmônica no mercado, desde que não causem confusão ao consumidor.
Os irmãos Bocchini lembram também do site Faux News, que há anos satiriza o conglomerado jornalístico norte-americano Fox News. No pé da sua página inicial, os criadores advertem : “todo material aqui contido tem intenção de ser paródia”.
Em junho de 1999, o cartunista Ziraldo lançou a revista Bundas, publicação que, em seu próprio nome, já fazia uma alusão sarcástica ao periódico Caras, revista que busca retratar o mundo das celebridades. “Quem mostra a bunda em Caras, não mostra a cara em Bundas”, ironizava Ziraldo, à época do lançamento. Por motivações financeiras, a revista saiu de circulação no ano seguinte ao seu lançamento.
Felipe Amorim
Extraído de Última Instância
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